Aftermarket no Mundo COVID-19

Dário Afonso
ACM Managing Director


"Num intervalo de poucos dias, assistimos à mudança do Mundo que conhecíamos. Para gerir os nossos negócios, temos hoje um novo fator que nunca foi tomado em consideração no passado: o sanitário. As estratégias, os planos, os orçamentos, as tomadas de decisão estão dependentes duma nova variável altamente volátil, incerta, complexa e ambígua. Bem-vindos ao Mundo VUCA! Estamos, por isso, a lidar com uma crise sanitária sem precedentes e com uma crise económica não esperada, e de uma dimensão ainda não definitivamente quantificável.
  
A Indústria Automóvel Esta paragem forçada da Indústria Automóvel por causa da pandemia, terá um forte impacto nos fabricantes de automóveis e de peças automóvel. Os prejuízos causados deixarão marcas nos próximos anos e terão seguramente consequências nas suas estratégias. Este momento é uma oportunidade única para os fabricantes de automóveis e de peças repensarem modelos de negócio e de distribuição, que pouco ou nada mudaram em décadas.
 
A esperada forte queda de vendas de viaturas novas em toda a Europa, poderá levar alguns fabricantes a reequacionar os seus investimentos em novas tecnologias motoras e investir naquilo que este novo “Cliente Covid” mais valoriza: a segurança relativa à sua saúde.

Segundo a Frost & Sullivan, os fabricantes de automóveis estão a desenvolver o conceito HWW (Health, Wellness and Wellbeing) para irem ao encontro dum cliente mais sensibilizado às questões sanitárias e de saúde. Para termos uma ideia do que este HWW representa, poderemos ter na nossa viatura: sistemas de purificação de ar, sistemas de higienização do habitáculo, supervisores de ritmo cardíaco e stress, avaliadores de níveis de oxigénio, bancos que corrigem a postura…  Se tivemos nos últimos anos o foco da indústria no infotainment, talvez estejamos a iniciar uma nova era, com o HWW… 

Mas a indústria automóvel tem desafios muito maiores que os tecnológicos. O maior desafio é decidir se as marcas de automóveis continuam a ser fabricantes de automóveis ou fornecedores de soluções de mobilidade para os seus clientes.  As tendências pré-covid, todas apontavam para a necessidade da transformação de Fabricante para “Mobility Solution Provider”. Num estudo realizado pela Google nos EUA, durante o passado mês de abril, foi constatada a seguinte informação: 20% dos inquiridos que não possuem viatura, consideram comprar uma em breve; Os pedidos de financiamento para compra de viaturas novas cresceram 34% relativamente ao mês anterior, e, o leasing de viaturas novas caiu 38% no mesmo período. Serão estes indicadores apenas o reflexo do momento ou um registo de alerta para uma alteração de comportamento de compra do consumidor?  Se tivermos em conta os receios de utilização de transportes públicos e de soluções de car-sahring e ride-sharing, por causa do potencial contágio, assim como da maior predisposição em viagens de longo curso em viatura própria, em substituição do comboio ou mesmo do avião, talvez tenhamos um novo padrão de consumo em virtude duma nova necessidade. Posse do Bem em substituição de Utilização do mesmo?! Sabemos bem, o impacto que esta potencial alteração tem nas estratégias do Após-venda. 

Aproveito o último parágrafo para expressar a minha incompreensão em continuarmos a dividir as áreas de negócio do sector automóvel, entre Vendas de Automóveis e Após-venda. Esta “fronteira” não é aceite pelos clientes, é muitas vezes origem de insatisfação dos clientes, e uma fonte de perda de negócio em muitos concessionários. As Vendas, Após-venda e Pré-venda, fazem parte de um processo de relacionamento com os clientes, que não deveria estar compartimentado, e muito menos dividido por departamentos que são tratados como profit centers isolados.
      
Aftermarket Internacional  No passado dia 28 de Abril, a Wolk Consulting desenvolveu o webinar – Global Impact of Covid19. Neste fórum estiveram presentes speakers desde a China, Rússia, Europa Central e de Leste, América-latina… e, o que podemos retirar deste webinar é, de uma forma mais ou menos pronunciada ou de uma forma mais ou menos criativa, os problemas relativos à pandemia são os mesmos a nível global, e as receitas para os mitigar junto do setor também. Diria mesmo que Portugal, comparado com outros países, mostrou maturidade nas decisões e rapidez nas respostas à economia (mesmo sabendo, que a burocracia atrasa tudo no nosso país). 

Esta pandemia coloca várias questões e poucas certezas no futuro, mas existem algumas considerações que são praticamente transversais a consultoras e especialistas da nossa indústria. A saber: muitos negócios de pequena dimensão (oficinas e retalhistas de peças) não conseguirão sobreviver; muitos pequenos fabricantes de peças irão sucumbir ou serão adquiridos por outros maiores; processos de fusão e/ou aquisição serão acelerados relativamente ao expetável précovid; redução do número de concessionários; o digital terá um papel predominante no novo aftermarket (B2B e B2C);

Aos pontos anteriores, gostaria ainda de adicionar mais alguns que me parecem interessantes serem acompanhados nos próximos tempos:
 
  • Continuaremos a ter a LKQ e a GPC (origem nos EUA) como principais players da distribuição de peças na Europa? Durante quanto tempo?
  • O seu apetite voraz de “shopping” manter-se-á? Quais as implicações na Península Ibérica a esta resposta?
  • Como vão reagir os fabricantes de automóveis relativamente ao Após-venda junto dos seus concessionários, tendo em conta a necessidade deste ser potenciado, para a sobrevivência dos mesmos?
  • Como vão atuar os fabricantes de automóveis com marcas IAM (PSA-Eurorepar; RenaultMotrio; Ford-Motorcraft;…) à nova realidade do mercado? 
  • Os fabricantes de peças aproveitarão esta oportunidade para alterar os modelos de negócio e distribuição tradicionais? Em que zonas do globo?
  • Qual o papel dos Grupos de Compras Internacionais neste novo aftermarket? São malamados pelos fabricantes e muitas vezes questionados do seu valor no negócio, pelos grandes distribuidores internacionais seus associados. Não estará na altura de serem Grupos de Negócio em substituição do já muito gasto, Compras (leia-se, pressionar o fornecedor até ao limite no preço)?
  • As tendências de consumo de peças sofrerão alterações nos seus segmentos, nos próximos anos? Segundo um estudo do ICDP, no futuro terão mais sucesso os seguintes segmentos: OEM (Peças de Marca); Peças de Marca Própria e Peças “Verdes” (Reutilizáveis);
  • Qual o impacto da quase paralisação do setor da distribuição de peças em Espanha, nos associados dos grupos de compras espanhóis? Qual o impacto que tal situação terá nos associados portugueses a esses grupos?
Num estudo realizado pela McKinsey, em abril passado, relativamente ao aftermarket, as previsões de queda do aftermarket na Europa, variam num cenário otimista de 5% a 7% e num cenário pessimista de 15% a 17%. Num mercado saturado de oferta no pré-covid, a queda estimada no cenário otimista levará a redução do número de players e a grandes alterações nos modelos de negócio dos players sobreviventes. Na queda estimada no cenário pessimista, o impacto é de tal forma brutal que o aftermarket sofrerá alterações tão profundas que será irreconhecível nos próximos 3 anos.
 
A queda do aftermarket estimada para os EUA é um pouco menor que na Europa, de qualquer forma empresas como a LKQ e a GPC, que juntas faturaram aproximadamente 7.5MM€ em 2018, só na Europa, estarão expostas em ambos os mercados e sujeitas ao escrutínio dos mercados bolsistas.
 
A tendência acelerada do “Aftermarket Goes Online” neste período, levará a que plataformas de Lojas Online venham a ser compradas ou desenvolvidas por distribuidores de peças ou, conforme já acontece na China, que fabricantes procurem plataformas online como parceiros, para venderem os seus produtos. O Mr. Auto adquirido pela PSA em 2015, e o OSCARO adquirido pela AUTODIS Group / Parts Holding EU em 2018, são apenas exemplos de plataformas online de venda de peças auto (B2C) que pertencem a distribuidores tradicionais de peças (B2B) e que serão seguidos por muitos.
 
Aftermarket Nacional  O aftermarket nacional sofre dos efeitos da pandemia, assim como da retração económica, e ainda, do impacto do aftermarket internacional.
 
Nos estudos de aftermarket é usual afirmar que trabalhamos com o parque automóvel. Temos então de ter em conta: Dimensão do Parque (não deverá crescer em virtude das reduzidas vendas de viaturas novas), a Idade do Parque (a idade média do parque é natural que aumente), Quilometragem Anual (é natural que decresça, se tivermos em conta o confinamento, o teletrabalho, a redução de rendimentos, utilização de transportes alternativos como bicicleta, trotinete, motorizada… e, a proteção ambiental. Tudo isto poderá ser contrariado, em virtude do receio de contaminação e a utilização de viatura própria venha a ser privilegiada após a “abertura da economia” em junho), e a Tipologia do Parque (Marcas, Modelos, Cilindradas, Energia…).

Tal como na restante Europa, Portugal já era um mercado saturado de oferta de peças auto no pré-covid. Nos últimos anos, muitos distribuidores de peças fizeram grandes investimentos em estruturas logísticas modernas e em aberturas de lojas em várias zonas do país. Muitos distribuidores sacrificaram as suas margens com o objetivo de conquista de quota de mercado, tendo mesmo muitas vezes sacrificado disciplina de crédito e ofertado serviços aos seus clientes de grande custo, mas sem valorização pelo cliente. Hoje, como nunca, os players
do aftermarket têm de vender em substituição de faturar. Se não o fizerem, estão a prestar um péssimo serviço ao setor e a criar condições para se prejudicarem fortemente, a curto prazo.

Que implicações podemos esperar no futuro próximo:
 
  • Alteração dos players do aftermarket em Portugal, em virtude da redução do número de operadores (concessionários, distribuidores, retalhistas e oficinas);
  • Redução do número de lojas por parte dos retalhistas, e filiais por parte das oficinas. Os espaços económicos sofrerão uma redução e a oferta será muito maior que a procura;
  • Redução do número de concessionários, pela mesma razão do ponto anterior;
  • ​Forte pressão nos preços. O cliente estará muito mais sensível aos preços em virtude da recessão económica (a sua perceção) e da sua redução de rendimento (a sua realidade);
  • Forte pressão nos prazos de pagamento. Toda a cadeia de distribuição, a começar pelos fabricantes, que aumentarão a sua disciplina de crédito sem flexibilidade;
  • Incremento de soluções em Comércio Eletrónico (B2B e B2C);
  • Incremento de pedidos para soluções digitais inovadoras;
  • Alteração do panorama das redes oficinais independentes existentes (mecânica, colisão e pneus). A ausência de apoio aos empresários, a algumas redes por parte dos “masters”, numa altura crítica como esta, não está a ser bem-encarada por muitas oficinas;
  • Soluções de serviços de higienização. Talvez um dos fatores mais importantes para a tomada de decisão de compra dum serviço numa oficina;
  • Surgimento de novos modelos de negócio.
Recursos Humanos no Aftermarket Como em muitos outros setores, as equipas do aftermarket ou trabalharam durante todo o período do estado de emergência, e por isso sobre grande stress de iminente risco epidémico, ou estiveram em casa em teletrabalho ou em lay-off.
 
Se a situação de ficar confinado em casa parece ser bem agradável, a verdade é que durante esse período as pessoas viram-se privadas da sua liberdade de sair à rua, de visitarem familiares, habitaram 24h/dia com aqueles que partilham as suas casas, e fizeram-no com uma overdose de informação relativa ao Covid-19. Viram ainda sentados no sofá, pela televisão, chegar uma recessão que só lhes coloca incertezas no futuro. Isto para dizer que as equipas que agora regressam a um “novo normal” às empresas, necessitam de cuidados na sua integração, a iniciar pela aprendizagem do novo relacionamento social e utilização de equipamentos de proteção sanitária.
 
As empresas são as pessoas que as representam, e as pessoas válidas são o seu maior ativo, que infelizmente raramente está espelhado nos balanços destas.  Tendo em conta o cenário de recessão que temos pela frente, será normal que algumas empresas sintam necessidade de reduzir as suas equipas. É sempre uma decisão difícil, mas deverá ser tomada com vários critérios que vão muito além do “custo” mensal da pessoa. O aftermarket tem pessoas muito válidas, que são absolutamente necessárias nas empresas para conseguir ultrapassar este momento único nas nossas vidas.
 
Lamento por vezes assistir ao atrofio de excelentes gestores por parte dos acionistas das empresas, que querem mais do mesmo ebusiness as usual. O que vale contratar gente competente se depois não lhes é delegada autonomia e confiança para realizar as mudanças necessárias e fazer diferente?

O Aftermarket à nossa frente O aftermarket tem mostrado ao longo dos tempos uma enorme capacidade de se adaptar às mudanças. Este desafio atual é bem maior porque é abrupto, e num ambiente económico muitíssimo adverso. Perece-me claro que temos de esquecer o “velho 2020” e desenvolver estratégias ganhadoras para o “novo 2020”. Se hoje estiver a fazer aquilo que estava a fazer em fevereiro de 2020, o seu negócio corre perigo. O seu cliente mudou. O cliente do seu cliente mudou. O seu fornecedor mudou. O seu concorrente mudou (e se não mudou, corre o mesmo perigo) e a sua equipa mudou.

Pergunte a si próprio: Quais os Ativos da minha empresa? Tenho uma loja online (ou duas, ou três, ou…)? Tenho plataformas digitais para me relacionar com os meus clientes? Tenho plataformas digitais inteligentes que integram ERP/ Webshop/ Loja Online/ CRM/ KPIs? Tenho soluções digitais para vender aos meus clientes? Tenho algum conceito de fidelização de clientes? Conceito Oficinal? Conceito de Distribuição? Tenho uma marca própria de produtos? Tenho uma marca própria de serviços? Tenho soluções de suporte ao negócio dos meus clientes? Tenho um modelo de negócio inovador? Tenho um programa de desenvolvimento de RH? Customizado? Tenho um portfólio de produtos de A a Z?...

Muito se tem falado ao longo dos últimos anos no Concessionário Digital. Existem entendimentos diferentes relativamente ao que se refere no seu conteúdo e nos seus serviços junto dos clientes. Temos, no entanto, a certeza que perante a fortíssima tendência digital do aftermarket, o conceito Workshop Service Provider (WSP) que agrega no mesmo ponto de venda digital e/ou físico, todos os serviços de mobilidade (e não só), é aquilo que o cliente pretende.  
Algo que seguramente também impactará o aftermarket é o “Grean Deal” anunciado pela Sra. Ursula von der Leyen. Provavelmente não ouviremos falar dele nos próximos meses, mas não está parado e será mais um tema que o setor deverá estar atento. Já temos fabricantes de automóveis a comercializar peças reutilizáveis, sendo por isso normal que este tipo de peças venham a ganhar o seu espaço no mercado, como o reconstruído fez no seu tempo.

Num momento de tão grande incerteza, a única certeza que temos é a necessidade de termos equipas preparadas na nossa estrutura para qualquer cenário. Devem, assim, os empresários capacitar as suas equipas para este “novo normal”, que dá pelo nome de Mundo VUCA em Ambiente Covid-19."